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Geossistemas ferruginosos e Cangas: Patrimônio Histórico e Paleoambiental

Vários naturalistas que percorreram a região do Quadrilátero Ferrífero (MG) durante o século XIX, de uma forma ou de outra, perceberam a singularidade dos ambientes e paisagens formados pelas cangas e pelos itabiritos (formações ferríferas bandadas). Por volta de 1818 Karl Friedrich Philipp von Martius, naturalista alemão e um dos editores da monumental obra científica Flora Brasiliensis, realizou interessantes observações geobotânicas, associando a presença de algumas espécies de plantas com as formações ferruginosas localizadas na Serra de Antônio Pereira, região entre Ouro Preto e Mariana.

O Pico do Itabirito – ou Pico do Itabira como era conhecido na época – e a Serra da Piedade constituem exemplos de paisagens e estruturas geológicas compostas principalmente pelas cangas e por formações ferríferas bandadas que foram retratados em pinturas e litografias de centenárias obras científicas e literárias.

Dois belos registros do Pico do Itabirito, município de Itabirito. No alto, desenho de F.J. Stephan, (1840). Disponível em: http://florabrasiliensis.cria.org.br/opus?vol=1. Embaixo, desenho de Marianne North (1873). Disponível em: http://kew.org/mng/gallery/.

Uma das descrições mais interessantes das paisagens ferruginosas partiu do naturalista dinamarquês Johannes Eugenius Büllow Warming. Em 1864, ao se aproximar da Serra da Piedade, chamada por ele de montanha de ferro, Eugenius Warming declarou (Gomes et al., 2006¹):

“Era um maciço de ferro quase puro: ao arrancar a golpes um pedaço de um dos blocos espalhados por todos os lados, via-se que a rocha era pesada e com a sonoridade e o brilho do ferro. Os blocos tinham tamanhos variados, alguns de dimensões gigantescas. Era um ambiente totalmente novo e surpreendente, tanto na sua totalidade como nas particularidades. A natureza que eu havia observado nas montanhas de granito e nas florestas virgens do Brasil – como nas redondezas do Rio de Janeiro ou na Serra dos Órgãos – não se parecia em nada com a que agora se apresentava. Evidentemente a paisagem do campo, onde não se vê qualquer bloco de pedra solta, era menos parecida ainda.”

A Serra da Piedade, entre os municípios de Caeté e Sabará, detalhe da vegetação rupícola crescendo sobre os blocos de itabirito (formações ferríferas bandadas). Ilustração de um artigo de Eugenius Warming publicado em 1869. Adaptado de Gomes (2006).

Tanto a Serra da Piedade quanto o Pico do Itabirito foram tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA-MG) e ambos compõem um conjunto de sítios geológicos reconhecidos pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos. Esses sítios constituem excepcionais ocorrências geológicas que registram a origem e evolução da Terra. Um terceiro sítio geológico e paleontológico associado às cangas está localizado no extremo leste do Quadrilátero, na região conhecida por Chapada de Canga. Nesta localidade, as cangas recobrem um importante registro fossilífero de plantas do Terciário brasileiro, onde um dos primeiros registros de uma flor fóssil no Cenozóico do Brasil foi descoberto naquela região.

A Chapada de Canga, com destaque para a ampla superfície ferruginosa. Ao fundo, o Maciço da Serra do Caraça.

Texto adaptado de Carmo, F.F. 2010. Importância Ambiental e Estado de Conservação dos Ecossistemas de Cangas no Quadrilátero Ferrífero e Proposta de Áreas-Alvo para a Investigação e Proteção da Biodiversidade em Minas Gerais. Dissertação. ICB/UFMG.


¹ Gomes, M.C.A.; Holten, B. & Sterll, M. 2006. A canção das palmeiras: Eugenius Warming, um jovem botânico no Brasil. Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte. 248 pp.