A região de Matozinhos, Pedro Leopoldo e Prudente de Morais, em Minas Gerais, é conhecida mundialmente por seu Patrimônio Espeleológico e Arqueológico que expõe uma série de desafios para a sua gestão. A área abriga diversas cavernas e sítios arqueológicos, que são importantes não apenas do ponto de vista histórico e cultural, mas também do ponto de vista turístico e econômico. Para conservar esse patrimônio é fundamental a transparência de dados relacionados aos processos de licenciamento ambiental. Ela possibilita que a sociedade saiba quais são as áreas que estão sendo exploradas ou ameaçadas e, consequentemente, engajar-se na promoção de medidas para protegê-las. Além disso, a divulgação de informações detalhadas sobre o processo de licenciamento pode garantir que as empresas responsáveis pela exploração dessas áreas cumpram todos os programas, condicionantes e compensações necessários para garantir a preservação desses patrimônios.
Para proteger o patrimônio espeleológico e arqueológico frente às pressões e ameaças impostas pela mineração, é necessário estudar, conhecer e classificar este patrimônio. Isto é possível por meio de estudos espeleológicos e arqueológicos e pelo conhecimento do arcabouço legal que os protege. Boa parte desses dados estão vinculados aos estudos ambientais vinculados aos licenciamentos ambientais e que foram se aprimorando de acordo com os avanços nas legislações em cada tema.
Nesta postagem, são reunidos elementos que demonstram alguns desafios à gestão destes patrimônios, com base nos licenciamentos ambientais de empreendimentos de mineração formalizados entre 2010 e 2020.
O Patrimônio Espeleológico
Os municípios de Matozinhos, Pedro Leopoldo e Prudente de Morais abrigam, ao todo, 1358 cavidades naturais subterrâneas, correspondendo a quase 13% de todas as cavernas cadastradas em Minas Gerais (10.570), (CECAV, 20221). O gráfico a seguir ilustra a distribuição das cavernas na região em relação às Unidades de Conservação de Uso Sustentável e de Proteção integral (SISEMA, 20222).
Neste recorte geográfico, contam-se 16 processos de licenciamento ambiental deferidos que contemplam atividades de mineração no período compreendido entre 2010-2020. No entanto, seis destes processos não contém Parecer Único ou Parecer Técnico disponíveis para consulta. No universo citado foram registradas ao todo, 170 cavernas em apenas dois processos de licenciamento de atividades de mineração.
O Patrimônio Arqueológico
No Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA3), estão registrados atualmente, 80 sítios ao todo nos três municípios. Para fins comparativos, no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG4) estão registrados 27 sítios arqueológicos. Esta diferença quantitativa, por si, já demonstra um pouco das problemáticas de gestão envolvendo os sítios arqueológicos e as bases oficiais de cadastro.
Além do exposto, observa-se que, dos 16 empreendimentos formalizados e deferidos no período de 2010 a 2020:
- Em Matozinhos há dois empreendimento de mineração com licenciamento ambiental formalizado e deferido entre 2010 a 2020. Num destes, quatro sítios foram registrados. Interessante ressaltar que esses foram os únicos sítios estudados nos três municípios nesse período no âmbito de empreendimentos de mineração de acordo com as informações disponíveis!;
- Pedro Leopoldo possui 13 processos de licenciamento formalizados e deferidos para a atividade de mineração entre 2010 a 2020, cujos estudos não indicaram sítios presentes;
- Em Prudente de Morais, o único processo de licenciamento de atividade de mineração formalizado no período não possui registros de estudos arqueológicos decorrentes de protocolos de licenciamento ambiental.
A figura abaixo mostra a quantidade de sítios nos três municípios. Nela também apresenta-se uma comparação da quantidade de sítios arqueológicos registrados em empreendimenros no período em análise, e entre 2002 a 2009,
Algumas considerações sobre as lacunas identificadas e desafios para a gestão
Diante dos dados apresentados observam-se algumas lacunas:
- Há uma limitação de acesso aos dados disponíveis publicamente referentes aos processos nestes municípios. Isto decorre da impossibilidade de acessar o rol completo de informações sobre cavernas em nenhum dos 16 processos e seus respectivos Pareceres Únicos. Esta limitação dificulta o estabelecimento da representatividade das cavernas no âmbito dos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos minerários nestes municípios;
- Sobre o cenário arqueológico, nota-se um descompasso quantitativo entre os sítios registrados nas bases oficiais e aqueles citados em licenciamentos. Esta questão pode ser explicada pelo fato dos empreendimentos minerários nesta região terem se iniciado em meados do século XX. Com isso suas licenças não se encontram no período aqui analisado. Esta situação ainda carece de esclarecimento.
A contribuição do Projeto Elaboração de bases de dados Espeleo-Arqueológicos
A falta de informações de interesse coletivo sobre cavernas e sítios arqueológicos em processos de licenciamento ambiental, principalmente vinculados às atividades de mineração, impõe uma série de desafios para a gestão desse relevante patrimônio. O Projeto Elaboração de bases de dados Espeleo-Arqueológicos desenvolvido pelo Instituto Prístino visa preencher essas lacunas e responder às problemáticas associadas a esse contexto. Visa também apontar questões relacionadas à conservação patrimonial e natural em áreas exploradas pela mineração e à gestão dos registros de cavernas e sítios arqueológicos. Os dados apresentados aqui representam uma pequena parcela do que já foi realizado no projeto, realizado por meio de um Termo de Compromisso celebrado entre o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) com interveniência do Centro Mineiro de Alianças Intersetoriais – CeMAIS.
Sobre os três municípios aqui analisados, estima-se que o projeto poderá contribuir na compreensão das razões técnicas e/ou administrativas que resultam na baixa representatividade de cavernas e sítios arqueológicos, no âmbito dos empreendimentos citados, diante do alto potencial espeleo/arqueológico destas regiões. Evidenciará também, lacunas de conhecimento existentes que eventualmente sejam decorrentes de empreendimentos instalados antes da vigência das normativas do licenciamento ambiental mais rígidas, particularmente a Deliberação Normativa COPAM 74/2004.
Ao final do projeto, de um modo geral, pretende-se:
- Preencher as lacunas entre os registros oficiais e estudos efetivamente realizados, estabelecendo um quadro consolidado mais próximo da realidade local e regional de cada município;
- Viabilizar a formulação de respostas ágeis e assertivas às problemáticas associadas aos bens espeleológicos e arqueológicos relacionados às áreas de interesse minerário;
- Facilitar a abordagem e proposição de soluções às questões de conservação e gestão deste patrimônio cultural e natural;
- Direcionar questões sobre as lacunas aos órgãos competentes para minimizar as defasagens observadas sejam minimizadas e;
- Possibilitar a gestão coletiva e o controle social das cavernas e sítios arqueológicos.
Este post foi elaborado por Lara Peixoto e Souza, Daniel Fernandes, Rogério Tobias Junior e Felipe Fonseca do Carmo
Referências Bibliográficas
- CECAV, 2022. Anuário Estatístico do Patrimônio Espeleológico 2021. ICMBio: Brasília, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/centros-de-pesquisa/cecav/publicacoes/cecav_-_anuario_estatistico_espeleologico_2021.pdf
- SISEMA, 2022. Infraestrutura de Dados Espaciais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IDE-Sisema) – Camadas de Unidades de Conservação Federal, Estadual e Municipal. Disponível em https://idesisema.meioambiente.mg.gov.br/webgis acesso em 05/12/2022.
- IPHAN, 2022a. Consulta sobre Sítios Arqueológicos/CNSA/SGPA, disponível em http://portal.iphan.gov.br/sgpa/?consulta=cnsa, acesso em 30/11/2022.
- IPHAN, 2022b. Plataforma de pesquisa pública do Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG). Disponível em https://sicg.iphan.gov.br/sicg/pesquisarBem, acesso em 30/11/2022.